De 5 mulheres mortas neste mês em MS, duas eram indígenas

Estrangulamento, espancamento, golpes de facão, foice: a lista é quase infinita. São diversos os meios empregados por homens para tirar a vida de mulheres indígenas de Mato Grosso do Sul. Só neste mês, dos cinco casos de feminicídios registrados até esta segunda-feira (24), dois deles são de indígenas, sendo uma de 28 anos e outra de 65 anos. Juliana Domingues, de 28 anos, foi assassinada com golpes de facão no dia 18 de fevereiro, na Aldeia Tekoha Nhu Porã, em Dourados, a 253 km de Campo Grande. No dia 24, foi a vez de Emiliana Mendes, de 65 anos, que foi asfixiada e arrastada por cerca de 100 metros pelas ruas de Juti, a 311 km da Capital.  Antes delas vieram Rosa Guimarães, Maristela Lescano, Ariane Oliveira Canteiro e muitas outras que sequer têm nome, como uma anciã guarani-kaiowá, de 103 anos, que em 2022 foi espancada pelo genro em Tacuru, a 421 km da Capital.  O último Relatório de Violência contra os Povos Indígenas no Brasil divulgado em 2024, com dados de 2023, aponta dois casos de feminicídio e outras quatro tentativas. Em 2022, o documento contabiliza três feminicídios, enquanto em 2021 foram dois casos do tipo. Esses números foram obtidos através de informações das equipes do Cimi (Conselho Indigenista Missionário) que também utiliza como base o que é veiculado na mídia sobre esse tipo de crime.  De 2021 a 2024, Mato Grosso do Sul registrou 140 casos de feminicídio, conforme dados da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública). Por conta da falta de recorte étnico nas estatísticas estaduais, não é possível saber quantas dessas mulheres eram indígenas. Mesmo o relatório elaborado pelo Cimi trazendo uma base, ainda é difícil ter uma dimensão real. Um dos casos citados como feminicídio no relatório de 2022 é de Ariane Oliveira Canteiro, de 13 anos, que vivia na Aldeia Jaguapiru, em Dourados. Neta dos rezadores guarani-kaiowá, ela foi estrangulada por um jovem de 17 anos, que disse ter cometido o crime por ciúmes. “Meu marido me ameaçou” – Liderança na Aldeia Tekoha Nhu Porã, Valdemir Cáceres, de 56 anos, é tio de Juliana Domingues, que foi assassinada pelo marido Wilson Garcia na frente do filho de 8 anos. À reportagem, Valdemir conta que é costume ser procurado pelas 30 famílias que vivem na aldeia. “Eu sou liderança na aldeia, eu sei tudo que é bom e mau, tudo que deu certo ou não”, afirma. Ele relata que mais de uma vez a sobrinha relatou que era ameaçada pelo marido. “Uma vez ela chegou aqui em casa falando: ‘Meu marido me ameaçou, ele quer me matar’. Em outra briga, chamei ele e ela e os aconselhei bastante. Passou dois meses mais ou menos e a criança contou pra mim que ele ameaçou matar a mãe dele”, diz.  Wilson Garcia tinha problemas com abuso de álcool e entorpecentes, conforme Valdemir. “A mulher dele aceitou a igreja e ele continuou bebendo e usando droga”, fala. Após matar a esposa, ele fugiu de bicicleta e ainda não foi localizado pela polícia.  Além de dar conselhos para o casal, ele chegou a dar um ultimato no marido da sobrinha. “Eu disse: ‘se você continuar judiando, eu mesmo vou fazer boletim de ocorrência’”, recorda.  Casos de violência doméstica contra as mulheres indígenas não são raridades na aldeia. O líder indígena expõe que, das 30 famílias que fazem parte da Aldeia Tekoha Nhu Porã, pelo menos quatro já relataram esse tipo de crime. “Três, quatro mulheres sempre vêm conversar com a gente”, pontua. Ao procurarem o líder indígena, elas pedem que ele converse com seus companheiros e dê conselhos. À reportagem, Valdemir explica que sempre que algo de ruim acontece, alguém o avisa. “Se for coisa grave, na hora mesmo, eu já levo para a polícia”, frisa.  Cartilha traduzida –  Em Mato Grosso do Sul, a Defensoria Pública presta atendimento às mulheres indígenas através do Nupiir (Núcleo de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas) e também pelo Nudem (Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher). Em 2023 e 2024, a Nudem esteve em comunidades indígenas onde realizou atendimento jurídico e rodas de conversa sobre a Lei Maria da Penha, apresentando as alternativas para sair de um relacionamento abusivo. No momento, a Defensoria Pública está produzindo cartilhas com tradução da Lei Maria da Penha para as línguas guarani, terena e kadiwéu. Outra cartilha trata sobre violência obstétrica. A intenção é imprimir e distribuir até 10 mil cartilhas nas comunidades indígenas, Cras, unidades de saúde próximas às aldeias, escolas e universidades. Atendimento especializado – No dia 19 de fevereiro, de autoria da deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), o Projeto de Lei 4381/23 foi aprovado na forma de um substitutivo da relatora, deputada Juliana Cardoso (PT-SP). O texto aprovado traz uma série de protocolos para o atendimento especializado às mulheres indígenas. Célia Xakriabá defendeu que o projeto é necessário para evitar casos como o de Juliana Domingues, da etnia guarani-kaiowá, por golpes de foice na cabeça.  Quando a mulher indígena é morta, a floresta e as águas morrem junto”, afirma. O texto, que segue para o Senado Federal, determina que o atendimento à mulher e à criança indígena vítima de violência doméstica e familiar deve ser feito de forma presencial e individualizada, com respeito às suas crenças e valores. Além disso, o projeto prevê a presença de um intérprete durante o atendimento sempre que necessário, direito a orientação jurídica e psicológica e o acompanhamento por um familiar ou representante da comunidade indígena, se assim desejar. Outros direitos da mulher indígena vítima de violência doméstica e familiar incluem: ser recebida por servidor capacitado para o seu atendimento; narrar os fatos sem interrupções ou constrangimentos; solicitar medidas protetivas de urgência nos termos da Lei Maria da Penha. O Projeto de Lei 4381/23 também prevê que a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), o Ministério Público Federal e a respectiva comunidade indígena serão intimados para se manifestar se têm interesse em intervir na causa. A finalidade disso é fazer com que sejam considerados e respeitados: a identidade social e cultural do povo indígena, os seus costumes, tradições e as suas instituições. Semana da Mulher Indígena –  Outra parte do texto trata da criação da Semana da Mulher Indígena em abril, onde o poder público poderá promover ações, como: Distribuição de textos traduzidos das leis e normas sobre o tema de violência contra a mulher em comunidades indígenas;  Caravanas itinerantes de serviços públicos relacionados à proteção das mulheres indígenas; Debates e seminários sobre a temática das violências contra a mulher indígena, envolvendo profissionais, agentes públicos, especialistas no tema e lideranças e demais mulheres de comunidades indígenas Criação e distribuição de cartilhas para a prevenção da violência contra as mulheres indígenas. Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais .
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