Filme ‘Baby’ usa a cidade para discutir ideia de família

Lá se vão cerca de 15 anos desde que o cineasta Marcelo Caetano começou a filmar o centro de São Paulo como cenário de suas histórias. Foram quatro curtas; uma série no Canal Brasil, Notícias Populares; e um longa-metragem, Corpo Elétrico. Todos buscam, de alguma maneira, entender a cidade – mas nenhum é tão feliz quanto o novo trabalho do diretor, Baby, em cartaz nos cinemas.”Minhas obras tratam de temas recorrentes, como famílias alternativas e o encontro entre pessoas diferentes. Eu gosto de explorar esses encontros que, embora não impossíveis, são improváveis”, diz ele ao Estadão. “Baby consolida todos esses temas que estavam presentes nos projetos anteriores.”Na história do longa-metragem, Baby (João Pedro Mariano) sai de um centro de detenção para jovens sem rumo. Visita um cinema pornográfico e conhece Ronaldo (Ricardo Teodoro), um garoto de programa que passa a protegê-lo. Os dois iniciam uma relação tumultuada, marcada por conflitos entre exploração e proteção, ciúme e cumplicidade. “O coração do filme é questionar o conceito de família”, diz o diretor. “No Brasil, vemos uma tentativa de capturar o conceito de família como algo biológico, tradicional. Quero falar de famílias homoafetivas, de famílias escolhidas, de amizades que se tornam famílias. O filme mostra que esses vínculos podem ser amorosos, sexuais, afetivos e econômicos.”O filme foi selecionado para a semana da crítica de Cannes, em 2024, e ainda coroou Ricardo Teodoro como o ator revelação da mostra competitiva.Em Baby, tudo se transforma. Caetano tem gosto de andar pelas ruas e vielas da cidade, explorando tudo o que o concreto devolve aos personagens e até aos atores. A preparação com o elenco, e até com a equipe técnica, foi uma volta pelas ruas de São Paulo. “Toda vez que eu convidava alguém para participar do filme, o primeiro passo era dar um rolê no centro”, diz. “Saíamos daqui de casa, na Alameda Glete com a Avenida São João, e caminhávamos até a República, depois à Sé, e voltávamos. Esse passeio servia para apresentar os lugares de que gosto e também onde eu imaginava que os personagens viviam ou poderiam ir.”Marcelo diz que essas caminhadas ajudaram a mostrar as comunidades que ocupam o centro: o ballroom, a comunidade gay, a comunidade lésbica, as pessoas trans, a comunidade negra LGBT+, migrantes nordestinos, imigrantes africanos, sírios. “Tudo isso foi fundamental para integrar as pessoas ao projeto”, diz. “As locações surgiram de maneira natural dessas explorações, como uma pensão que tivemos a sorte de liberarem para a gente.”FluxoNa visão do cineasta, os personagens não são oprimidos pela cidade apenas; eles também se aproveitam dela e sobrevivem. “Os personagens são os donos da rua. Toda vez que caminho pelo centro – o que faço diariamente -, tenho consciência de que estou entrando na casa de muita gente. Há muitas pessoas que moram ou ocupam as ruas diariamente”, diz. Por isso, durante as filmagens, Caetano seguia um esquema de ocupação natural: avisavam os órgãos responsáveis, mas não fechavam as ruas. “Nossa equipe filmava no fluxo da cidade, avisando quem estava próximo. Queríamos capturar a vida pulsante, as cores, as dinâmicas reais do centro”, diz.Agora, em 2025, parte desse cenário já se dissipou. A pensão da dona Maria, que abriga algumas das melhores cenas do longa-metragem, foi demolida – assim como o cinema pornográfico que abriga o primeiro contato entre Baby e Ronaldo. “Essa é uma dinâmica do centro de São Paulo: as coisas mudam, abrem, fecham, se transformam”, diz Marcelo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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