Achado morto após sumiço, espanhol levado pelo Alzheimer era apaixonado por MS

Joaquim Rangel Gonzales, 78 anos, calçou seus chinelos, colocou um boné e passou pela porta da cozinha segurando uma pasta, contendo documentos velhos e uma foto da esposa. Era 5h de domingo, o último dia 12, quando as câmeras de segurança da residência capturaram esse momento. É o último dele vivo.  Estimativas do SUS (Sistema Único de Saúde) apontam que o Brasil pode chegar a registrar 100 mil novos diagnósticos de Alzheimer por ano. O espanhol de coração sul-mato-grossense é um desses casos, mas a família não quer lembrar dele apenas pelo o que passou nos últimos dois anos na condição de “esquecido”. Todos querem lembrar do impacto profundo e positivo que ele causava na vida das pessoas, com tanta generosidade e simplicidade.  Nascido na cidade costeira de Bolonia, sua profissão era matrizeiro, que é o profissional que constrói ferramentas e equipamentos a base de chapas de ferro. A história com o Brasil começou há quase 30 anos, quando conheceu a mãe dos seus filhos mais velhos, lá na Espanha mesmo. A relação não deu certo, mas as conexões com o nosso país foram ficando cada vez mais fortes, a ponto dele investir em imóveis por aqui – sendo a casa de Bonito, a 297 km da Capital, o seu lugar preferido.  Até que em 2012, em uma das vindas ao Estado, Joaquim saiu batendo de salão de beleza e salão, à procura de um profissional que pintasse seus fios grisalhos e ele pudesse ir para Bonito “encontrar uma nova namorada”. O único estabelecimento que abriu as portas foi o da cabeleireira Doralia Ribeiro.  “Já na primeira conversa ele falou que precisava pintar os cabelos porque ia viajar à Bonito para encontrar uma namorada. Na hora, minha reação foi brincar, dizendo que ‘não precisava mais, que eu ia ser a namorada dele’. Dali, ficamos juntos e meses depois eu estava na Espanha com ele”, compartilha a esposa. Doralia passou por muitas situações na vida, que deixaram feridas sentimentais. Joaquim acolheu todas essas dificuldades, facilitou a procura por ajuda psicológica, conquistou a nova namorada e, junto, uma família campo-grandense.  “Ele dizia todos os dias que eu era linda, me levou para Espanha, construímos uma vida juntos aqui e estávamos vivendo plenamente. Todos os dias ele me levava café da manhã na cama, cuidou de mim em todos os sentidos. Para algumas pessoas foi tudo muito repentino, mas ele era tão humilde e companheiro que acabou impactando todos os meus familiares”, detalha Doralia.  Foram dez anos de aventuras juntos. Até que as memórias do espanhol começaram a se desconectarem do presente, a confundir a realidade. O Alzheimer chegou com a sua avalanche de incertezas e medos, só não foi capaz de apagar o amor de Joaquim por Doralia e vice-versa.  “Como ele cuidou tanto de mim, quando estava saudável, eu cuidei dele quando a doença chegou. Eu passei a levar o café da manhã na cama, passava o perfume preferido, deixava bem vestido e fazia todas as comidas que gostava. Tivemos uma vida boa, sem problemas, com amor e respeito”. Domingo que durou mais de 50 horas – No dia anterior ao desaparecimento, ficou combinado de todos irem para a casa da Bárbara Leonel, de 30 anos, enteada do Joaquim. Ele ficou animado por  ir na “Barbarita mañana” e foi dormir bem cedo.  “Ele e minha mãe iam para casa no domingo, combinamos isso no sábado. Não sei se ele estava com isso na cabeça quando acordou, mas levantou muito cedo e sozinho, saiu sem a minha mãe ver, só com a roupa que estava mesmo e não tomou a insulina, sendo diabético”, conta Bárbara.  Por volta das 8h, a mãe de Bárbara pediu ajuda, depois de ter procurado por ele em todos os lugares na região do Jardim Montevidéu. As buscas começaram imediatamente, até que conseguiram o apoio do Corpo de Bombeiros, com a cadela Laika, no dia 14. Graças ao trabalho dela que o corpo de Joaquim foi localizado, em uma área de mata às margens da BR-163, a cerca de 13,8 quilômetros da casa dele. “Idosos querem ter autonomia, independência, não aceitam quando impomos limites. Em casos como o dele, infelizmente, é necessário. Não podemos deixar chaves, portões abertos, porque isso pode ser o suficiente para eles se perderem da família. Basta um minuto de descuido que algo ruim pode acontecer, igual aconteceu com o Joaquim”, lamenta Bárbara. Hoje, aos 58 anos, Doralia não quer voltar para a casa que dividiu com marido e guardará para sempre os bons momentos ao seu lado. “Toda noite eu dormia abraçada com ele. De ontem para hoje, quase dois dias depois, eu consegui deitar em uma cama para dormir. Abracei a minha filha achando que era ele”.  Alzheimer – Trata-se de uma condição neurodegenerativa, de evolução progressiva e sem cura, que afeta principalmente pessoas com mais de 65 anos. Ela pode prejudicar diversas funções cognitivas, incluindo memória, linguagem, raciocínio, humor, comportamento e a forma como a pessoa percebe o mundo ao seu redor. O sintoma inicial mais comum e marcante é a dificuldade em reter memórias recentes. Conforme a doença avança, surgem manifestações mais graves, como a perda de lembranças antigas, irritabilidade, problemas na linguagem, dificuldades para se orientar no tempo e no espaço, entre outros. Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais .
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