Deputados de MS criticam projeto para afrouxar Ficha Limpa, mas 3 são “autores”

A maioria dos deputados federais de Mato Grosso do Sul se posicionou contra a proposta que busca reduzir o período de inelegibilidade previsto na Lei da Ficha Limpa. No entanto, três parlamentares do estado – Marcos Pollon (PL), Rodolfo Nogueira (PL) e Luiz Ovando (PP) – assinaram o projeto de lei que sugere a redução do prazo de inelegibilidade de políticos condenados de oito para dois anos. O texto é de autoria do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) e está em tramitação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Câmara. Aprovada em 2010, a Lei da Ficha Limpa reformulou as normas de inelegibilidade, originalmente estabelecidas em 1990, impondo critérios mais rigorosos para barrar a candidatura de políticos condenados por crimes como corrupção e abuso de poder. Atualmente, a legislação determina que essas pessoas fiquem inelegíveis por um período de oito anos. Caso seja aprovado, o novo projeto alteraria a Lei das Inelegibilidades, reduzindo esse prazo de oito para dois anos, o que impactaria diretamente a Lei da Ficha Limpa. A proposta está em análise na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados e defende que dois anos de inelegibilidade seriam uma sanção suficiente para assegurar a moralidade do processo eleitoral. “Entende-se que a inelegibilidade por dois anos seguintes ao pleito eleitoral é uma sanção mais do que suficiente para os fins que se almeja a inelegibilidade”, afirma o projeto. Além disso, o deputado autor da proposta argumenta que políticos condenados por improbidade administrativa já enfrentam outras punições, como a obrigação de devolver recursos desviados aos cofres públicos. Com esses argumentos, o deputado afirma que a proposta busca adequar a punição da inelegibilidade, pois entende que dois anos seria mais “razoável e proporcional”. A discussão ganhou ainda mais força após o novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), sugerir que oito anos de inelegibilidade seriam excessivos. “Oito anos são quatro eleições, é um tempo extenso na minha avaliação”, afirmou Motta em entrevista recente.  A possível mudança beneficiaria políticos condenados por abuso de poder, como o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), declarado inelegível pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Em junho de 2023, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) declarou Bolsonaro inelegível por oito anos, após considerar que ele cometeu abuso de poder e fez uso indevido dos meios de comunicação ao convocar embaixadores, em julho de 2022, para questionar, sem apresentar provas, a segurança do sistema eleitoral brasileiro. Meses depois, o TSE aplicou uma nova condenação de inelegibilidade ao ex-presidente, desta vez por abuso de poder político e econômico. A decisão teve como base sua conduta durante as celebrações do Bicentenário da Independência, em 7 de setembro de 2022, quando, em meio à campanha eleitoral, usou a estrutura oficial do governo para promover sua candidatura à reeleição. Recentemente Bolsonaro defendeu publicamente a revogação da Lei da Ficha Limpa, alegando que a legislação é usada para perseguir políticos de direita. “Eu sou até radical, acho que deveriam revogar essa lei, que não vai mais perseguir ninguém”, afirmou em um vídeo. “Estamos trabalhando para que esse limite passe de oito para dois anos de inelegibilidade, aí sim eu poderia disputar as eleições em 2026 e você vai decidir se vai votar em mim ou não”, justificou o ex-presidente. Apesar da assinatura de três deputados do estado na proposta, a maioria dos parlamentares de Mato Grosso do Sul se posicionou contra a mudança na Lei da Ficha, considerando um “retrocesso” a proposta em tramitação na Câmara dos Deputados.  “Eu sou a favor de manter a situação que tá hoje, manter os 8 anos, porque, com apenas 2 anos de punibilidade, você não alcança o processo eleitoral. Quer dizer, o prefeito cometeu um erro, foi penalizado, e aí disputa a próxima eleição. Então, é a mesma coisa que não ter lei. Isso aí é um engodo que alguns deputados estão tentando fazer. Quer dizer, não tem cabimento isso. Eu não votaria jamais numa emenda como essa”, criticou Dagoberto Nogueira (PSDB). Camila Jara (PT) fez um apelo à população para se mobilizar contra a proposta. “Eu peço para a população se mobilizar e não aceitar esse retrocesso. Nós não podemos derrubar a Lei da Ficha Limpa, que hoje é um dos poucos instrumentos que a gente tem para combater a corrupção no nosso país. A gente precisa se unir, não aceitar esse retrocesso e garantir que a Lei da Ficha Limpa seja mais um instrumento de avanço no combate à corrupção”, disse. Beto Pereira (PSDB) também se mostrou contra qualquer alteração que reduza as penalidades da lei. “Ainda não existe um texto a ser votado, mas eu sou bastante reticente a qualquer alteração que venha a abrandar aquilo que a lei hoje preconiza. Essa votação não é uma votação que leva em consideração uma manifestação de bancada, é uma manifestação individual. E eu continuo e repito, que sou bastante reticente a qualquer alteração. A lei que restringe a lei da ficha limpa para diminuir ou atenuar a sua importância”, defendeu. Também defensor da manutenção do prazo de oito anos de inelegibilidade, o deputado Vander Loubet (PT) avaliou que a medida não pode beneficiar qualquer político em especifico: “Eu acho que tem que manter essa regra de oito anos. Eu, pessoalmente, defendo que se mantenha. Mas, claro, a gente decide isso em bancada, e, se ela tiver outra posição, eu posso até vir a votar com a bancada. Mas a minha posição é que se mantenham os oito anos. Nós passamos por tudo isso, e não dá para mudar a regra do jogo para beneficiar A, B ou C, seja quem for”. Luiz Ovando (PP), que assinou a proposta, demonstrou dúvida sobre a mudança, mas não descartou votar com a bancada: “Acho que nós precisamos parar de brincar em termos de fundamento jurídico. Aquilo que foi estabelecido é preciso rever as razões pelas quais se propõe, eu continuo com os 8 anos ainda. Mas vamos ver realmente o que tem de substrato para que seja proposta essa redução. Mas caso a bancada decida votar favorável? Eu vou votar com a bancada”. Os deputados Marcos Pollon (PL) e Rodolfo Nogueira (PL), que assinaram o projeto em conjunto com Bibo Nunes, foram procurados para comentar a proposta, mas não responderam até a publicação desta reportagem. O deputado Geraldo Resende (PSDB) também foi procurado, mas não deu retorno.
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