Filhas mulheres e caçulas são mais favorecidos pelos pais, aponta estudo

Pais e mães podem dizer que amam todos os filhos igualmente, mas um estudo da BYU (Universidade Brigham Young), nos Estados Unidos, sugere que a realidade é diferente. A pesquisa indica que filhas mulheres, filhos mais novos e crianças com traços de personalidade mais agradáveis e responsáveis são favorecidas. O favoritismo, mesmo que sutil e inconsciente, pode ter impactos significativos no desenvolvimento e na saúde mental dos filhos.”O que acontece na infância repercute pelo resto da vida. Crianças que se sentem menos amadas podem desenvolver transtornos psiquiátricos no futuro, como ansiedade e depressão”, afirma Rodrigo Huguet, psiquiatra da Rede Mater Dei de Saúde. Segundo ele, embora os transtornos mentais tenham múltiplos fatores, prevenir abusos emocionais na infância é essencial.Publicado na revista Psychological Bulletin, o estudo analisou dados de mais de 19 mil indivíduos na Europa e na América do Norte, a partir de 30 estudos anteriores e base de dados não publicados. Os cientistas investigaram como a ordem de nascimento, gênero e traços de personalidade influenciam o tratamento diferenciado dentro das famílias. Foram analisados cinco aspectos principais da dinâmica parental: tratamento geral, interações positivas, interações negativas, alocação de recursos e controle sobre os filhos.Os resultados mostraram que os filhos mais novos recebem mais atenção e cuidado, enquanto os mais velhos ganham maior autonomia, sendo menos controlados conforme crescem. Além disso, ao contrário da hipótese inicial dos pesquisadores, tanto pais quanto mães demonstraram uma leve preferência pelas filhas em relação aos filhos.Alex Jensen, professor da Escola de Vida Familiar da BYU e autor principal do estudo, sugere que esse favorecimento pode estar ligado ao papel das mulheres como cuidadoras na sociedade ocidental. “É mais provável que as filhas cuidem dos pais idosos. Talvez, por isso, os pais busquem acumular capital social com elas”, afirma.Para Huguet, no entanto, o favoritismo parental pode assumir formas diferentes no Brasil. “Do homem se pede menos, se cobra e se tolera mais. Acredito que os homens são os mais protegidos devido ao machismo estrutural da nossa sociedade”, afirma.A psicanalista Rosa Maria Marini, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento na USP (Universidade de São Paulo), também questiona se os filhos mais velhos realmente possuem mais autonomia. “Os primogênitos carregam a maior carga de idealização. São eles que ensinam os pais a serem mãe e pai e acabam se tornando modelos para os irmãos”, analisa.O estudo também revelou que a personalidade das crianças é um fator determinante no favoritismo parental. Crianças responsáveis e organizadas tendem a ser favorecidas, possivelmente por serem vistas como mais fáceis de lidar. “Todo pai sonha com um filho que não dê trabalho, mas isso pode restringir a autonomia da criança”, diz Marini.Segundo ela, o favoritismo indica o lugar que cada filho ocupa na economia psíquica dos pais e esse lugar depende da história de cada um. “O lugar que um filho ocupa para uma mãe é muito diferente para o pai e esse lugar depende muito da história de vida de cada um deles”, afirma.A psicanalista Dorli Kamkhagi, coordenadora de Grupos da Maturidade do IPq (Instituto de Psiquiatria) da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), destaca que o favoritismo pode ser temporário e mudar conforme as circunstâncias. “Ter filhos favoritos em momentos diferentes da vida é normal e saudável. Existem diferentes preferências para cada filho”, diz. No entanto, ela enfatiza que esse comportamento, quando permanente, pode impactar todos os membros da família.”O favoritismo pode adoecer famílias e começar a trabalhar essas questões é importante para romper alguns comportamentos. Os pais precisam estar abertos para conhecer seus filhos e entender o que cada um precisa”, afirma.Jensen ressalta que reconhecer os padrões de favoritismo parental é essencial para evitar consequências negativas. Pesquisas anteriores já indicaram que crianças que se sentem menos favorecidas pelos pais podem desenvolver problemas emocionais e comportamentais, além de enfrentar dificuldades nos relacionamentos familiares. “Os pais devem estar atentos a possíveis percepções de injustiça dentro da família”, alerta.Para o pesquisador, o objetivo da pesquisa não é gerar culpa nos pais, mas incentivá-los a refletir sobre suas interações. “Entender essas nuances pode ajudar pais e especialistas a reconhecer padrões prejudiciais e garantir que todas as crianças se sintam amadas e apoiadas”, conclui.No entanto, ele reconhece que a pesquisa contém limitações, como a falta de dados de outras regiões do mundo e a baixa variação de estruturas familiares, incluindo famílias homoafetivas, monoparentais e estendidas. “Gostaria que tivéssemos dados de outras regiões, considero essa uma das maiores limitações do estudo. Tecnicamente as famílias diversas foram incluídas, mas não houve variação suficiente, essa também é outra limitação”, diz ele.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.