Com expectativa de 7 anos de vida, mulher com ‘ossos de vidro’ relata desafios do diagnóstico da doença rara


Moradora de Marília, Ana Paula Medeiros de Lima, de 45 anos, foi diagnosticada com osteogênese imperfeita quando nasceu. Dia Mundial das Doenças Raras é celebrado nesta sexta-feira (28) e tem o objetivo de incentivar pesquisas científicas que auxiliem pacientes e seus familiares. Ana Paulo foi diagnosticada com a doença dos “ossos de vidro”, tinha expectativa de 7 anos de vida e completou 45
Arquivo pessoal
Sete anos. Essa era a estimativa de vida da Ana Paula Medeiros de Lima, assistente administrativa e estudante de psicologia, diagnosticada com osteogênese imperfeita, popularmente conhecida como a doença dos “ossos de vidro”, dias após o seu nascimento. Ela é uma das 13 milhões de pessoas que convivem com uma doença rara no Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde.
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Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma doença é considerada rara quando afeta um número reduzido de pessoas, especificamente 65 a cada 100 mil indivíduos ou 1,3 pessoas entre dois mil habitantes. Nesta sexta-feira (28) é celebrado o Dia Mundial das Doenças Raras. (Veja abaixo mais informações sobre a data).
A descoberta do diagnostico da Ana Paula pegou todos de surpresa.
“A minha mãe não realizou o pré-natal. Eu nasci de parto normal e não parei mais de chorar. Os médicos perceberam que eu chorava muito e foram fazer exames. Foi aí que eles descobriram que eu tinha muitas fraturas e foram investigar o que poderia ser isso, porque até então, aqui em Marília, ninguém conhecia essa doença”, conta em entrevista à TV TEM.
“Depois de muitas pesquisas, chegaram à conclusão de que eram ossos de vidro. Me deram sete anos de vida; hoje eu tenho 45 anos.”
A osteogênese imperfeita é uma doença de origem genética, considerada rara. No Brasil, a estimativa é de que existam 12 mil pessoas convivendo com a doença.
“A minha infância não foi completamente normal. Apesar de minha mãe me tratar como uma criança normal, eu não podia brincar, correr, e nunca andei. No começo, eu usava uma cadeirinha de rodas, mas depois conheci um triciclo, uma bicicletinha que minha mãe me deu. Aí eu ia de um lado para o outro com ela. Até hoje, eu uso”, disse.
Busca pela diagnóstico
A descoberta que mudou a vida de Ana logo nos primeiros dias de vida não foi tão rápida para Miguel, também morador de Marília (SP), que só recebeu o diagnóstico após um ano e três meses. Os sintomas, porém, se manifestaram logo nos primeiros minutos de vida.
“O Miguel nasceu em julho de 2006, um menino lindo, nossa maior alegria, mas ele nasceu com baixo peso, o que nos deixou preocupados”, disse Natália Fernanda, mãe do adolescente, hoje com 18 anos.
“Após algumas horas de vida, ele apresentou hipotonia severa e dificuldade de sucção, não conseguindo ser amamentado; ele foi encaminhado para o Ambulatório de Neuropediatria do Hospital das Clínicas em São Paulo. Miguel passou por uma biópsia muscular que descartou qualquer tipo de miopatia e, em seguida, passou pela especialidade de genética na Universidade de São Paulo (USP). Então, recebemos o diagnóstico da síndrome de Prader-Willi”, lembra.
A síndrome de Prader-Willi é uma doença rara provocada por uma alteração no cromossomo 15 e atinge uma a cada 30 mil crianças no mundo, tanto meninos quanto meninas. Ao longo do tempo, pode provocar problemas físicos, comportamentais e de aprendizado, além de levar à obesidade.
“O tratamento foi um grande desafio para nós. Em Marília (SP), nenhum médico conhecia a síndrome, por ser muito rara. No início, íamos a cada dois meses para São Paulo; ao longo do tempo, as consultas se espaçaram, até chegarmos a uma vez por ano. Hoje, realizamos o tratamento aqui em Marília”, disse. “O Miguel sempre foi muito inteligente, aprende tudo muito rápido, porém, ele tem muita dificuldade de atenção, ansiedade, pensamento acelerado e impulsividade. Ano passado, ele concluiu o ensino médio; foi uma vitória muito grande. Ele faz atividades físicas para controlar o peso, como natação e basquete”, concluiu.
Diagnosticar uma doença rara, até hoje, é um grande desafio para os médicos.
“As doenças raras apresentam diversas dificuldades, sendo uma delas a dificuldade no diagnóstico. Cada doença é muito particular e exige muitas pesquisas para se chegar a um diagnóstico correto.“, explicou o médico Amadeu Queiroz, chefe do serviço de doenças raras, no Hospital de Base de São José do Rio Preto.
Miguel nasceu abaixo do peso, mas somente depois de muito exames foi diagnosticado com a síndrome de Prader-Willi em Marília
Arquivo pessoal
Paciente mais velho
A dificuldade de um diagnóstico correto foi sentida na pele pelo Padre Marlon Múcio, que mora em Taubaté (SP), diagnosticado com Deficiência do Transportador de Riboflavina (RTD), há nove anos. A doença, também conhecida como Síndrome de Brown-Vialetto-Van Laere, é uma condição neurológica rara que afeta o sistema nervoso e pode causar problemas auditivos, visuais, fraqueza muscular e outras complicações.
Em todo o mundo, há hoje aproximadamente 327 pessoas diagnosticadas com essa doença; no Brasil, apenas 12. Com 52 anos, Padre Marlon é o paciente mais velho diagnosticado com a doença e toma 297 remédios por dia para se manter vivo.
“Gastei nove anos para receber meu diagnóstico. Antes disso, recebi seis diagnósticos errôneos e fui tratado de maneira inadequada. Ou seja, a doença foi se agravando e deixando algumas sequelas. Essa doença enfraquece os músculos da audição, mastigação, respiração e locomoção, causando fadiga crônica, dores intensas e fraqueza muscular generalizada. A parte boa disso é que minha fé avançou mais que a doença”, contou o padre.
O padre foi diagnosticado com a doença aos 45 anos, mas os sintomas começaram na infância, quando, aos 7 anos, enfrentou uma surdez súbita. Depois, aos 17, sentiu dificuldade ao engolir. Aos 27, um ano após ser ordenado padre, o cansaço que seu corpo apresentava era tanto que ele dormia involuntariamente enquanto atendia confissões.
“Conviver com uma doença rara é um desafio tremendo. Eu sou um caso em um milhão de pessoas; brinco que sou um milionário. Quando soube do meu diagnóstico, chorei de alegria, porque finalmente ia conseguir me tratar da forma correta. Hoje, sou traqueostomizado, uso respiração mecânica 24 horas por dia e tomo 297 comprimidos para me manter vivo”, explica.
Embora os desafios sejam muitos, o padre não se vê preso à doença e acredita que o diagnóstico não é o fim, mas um novo começo.
“Sou extremamente ativo, graças a Deus, por conta da doença. Tem aqueles que dizem: ‘Ah, padre Marlon, se o senhor não tivesse essa doença, imagina quantas coisas mais faria?’ Eu digo: ‘Não, ao contrário, é justamente por causa dela que faço o que faço’”.
Em 2023, o padre criou o único hospital do país destinado exclusivamente a pacientes com doenças raras, localizado em Taubaté. Na unidade chamada “Casa de Saúde Nossa Senhora dos Raros”, o atendimento é feito de maneira gratuita.
“Graças a Deus, tenho acesso a informação e medicação, mas muitos morrem sem ter o diagnóstico. O desafio é muito grande; precisamos de remédios de alto custo e de recursos para nos tratar”, explicou o padre.
Diagnosticado com Deficiência do Transportador de Riboflavina (RTD), Padre Marlon é a pessoa mais velha com a doença no país
Arquivo pessoal
Dia dos raros
Desde 2008, é comemorado no último dia de fevereiro o Dia Mundial das Doenças Raras, criado pela Organização Europeia de Doenças Raras, com o objetivo de levar conhecimento à população e buscar incentivos para pesquisas científicas que auxiliem pacientes e seus familiares.
De acordo com informações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as doenças raras são caracterizadas por uma ampla diversidade de sinais e sintomas e variam não só de doença para doença, mas também de pessoa para pessoa acometida pela mesma condição. Geralmente, as doenças raras são crônicas, progressivas e incapacitantes.
Na Anvisa, existe ainda um protocolo específico para desenvolvimento e liberação de medicamentos para as doenças raras. (Acesse aqui a lista de medicamentos disponíveis para doenças raras).
E também, no Brasil, um dos testes importantes para identificar algumas dessas doenças é o teste do pezinho, feito logo nos primeiros dias de vida. (Saiba mais na reportagem abaixo).
Dia Mundial das Doenças Raras: entenda a importância do teste do pezinho
Para o padre Marlon, o dia também lembra, que enquanto há vida, ainda há esperança.
“Nós somos raros, mas somos muitos. Hoje, no Brasil, somos 13 milhões de pessoas com uma doença rara, representando 5% da população. Então, a mensagem que eu deixo para você que também tem uma doença rara, para os cuidadores, familiares e profissionais de saúde, é que o diagnóstico não é o fim; é o recomeço. Quando recebemos o diagnóstico, o chão costuma sumir. A gente chora muito; no meu caso, chorei de alegria e alívio porque sabia o que tinha e poderia me tratar. Você, raro ou rara, não desista do seu sonho. Vamos seguir juntos, raros. Juntos somos mais fortes.”
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