Presos relatam castigos, condições desumanas e querem R$ 350 mil em indenizações

O clima no Estabelecimento Penal Masculino de Corumbá tem deixado de ser apenas uma questão carcerária para se tornar um problema institucional. Denúncias de maus-tratos, perseguição a presos e familiares, e até comercialização de celulares dentro da unidade se somam a uma série de ações judiciais movidas por internos contra o Estado. Pelo menos sete ações movidas por presos do presídio de Corumbá questionam de forma bastante ampla as condições do sistema penitenciário de Mato Grosso do Sul. Todas foram protocoladas entre dezembro de 2023 e janeiro de 2024, e pedem indenização de R$ 50 mil cada, sob alegação de que o cumprimento da pena tem ocorrido em condições desumanas, degradantes e violadoras de direitos fundamentais. Assinadas por um mesmo advogado, as ações formam um bloco articulado de processos, com estrutura idêntica e fundamentos semelhantes. Os autores são Arthur Kennedy Vieira Barreto, Mauro Henrique Correa, Cleiton da Costa, Diego de Souza Santos, Luiz Gomes dos Santos, Jean Francisco Maciel e Jean Paulo da Costa Carrelo.  A maior parte dos pedidos já teve análise das condições pela juíza Luiza Vieira Sá de Figueiredo, da Vara da Fazenda Pública de Corumbá, e seguirão para julgamento do mérito. Em decisões publicadas nesta segunda-feira (24), a magistrada indeferiu inspeção judicial e perícias médica, psicológica e sanitária na maioria dos casos, mas autorizou o uso de prova emprestada de um dos processos — o do preso Mauro Henrique Correa, que foi o primeiro da leva.  Esse processo virou espécie de “tronco probatório” para os demais, reunindo depoimentos, vídeos e até uma perícia audiovisual anexada pela defesa. Os valores pleiteados somam R$ 350 mil.  Até o momento, nenhuma das ações teve sentença, passaram somente pelo chamado saneamento, que avalia se a ação cumpre os requisitos e define o ponto central do mérito e os meios de prova. Em comum, os processos alegam que o presídio tem mais de 600 presos, quando a capacidade seria de 186 vagas — embora o Estado, em sua defesa, conteste esse número e informe que a capacidade oficial hoje seria de 358 vagas, contando com 666 internos. A superlotação, segundo os presos, obriga detentos a dormirem no chão, convivendo com baratas, mofo e fiação exposta.  As celas são escuras, fétidas, sem ventilação, com lixo acumulado e vasos sanitários quebrados”, descreve um dos relatos. O Estado de Mato Grosso do Sul, por meio da Procuradoria-Geral, apresentou contestações nos sete processos. Em todas elas, sustenta que não há prova individualizada dos danos morais sofridos por cada preso, e que os pedidos são genéricos, repetitivos e orquestrados por um mesmo grupo de advogados. Também afirma que os relatos dos detentos não condizem com a realidade atual do presídio, que teria passado por reformas. Documentos anexados pelo próprio Estado mostram compras de medicamentos, alimentos e registros de atendimentos médicos. Além das ações, os problemas foram apontados em vistoria realizada em dezembro de 2024 pela Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, com apoio da Defensoria Pública da União e do Conselho Penitenciário Estadual. O relatório preliminar da inspeção identificou superlotação em todas as celas, falta de colchões, escassez de itens básicos de higiene e racionamento constante de água, além da ausência de ventilação natural — fator agravado pelas altas temperaturas em Corumbá. Denúncia de abusos – Na última sexta-feira (22), o Campo Grande News  revelou que a advogada Girlene Soreto, esposa de um dos presos da unidade, acusou o diretor do Estabelecimento Penal de Corumbá, Ricardo Baracat, de abuso de autoridade, revista abusiva de familiares e até venda de celulares a internos para, depois, apreendê-los e aplicar punições. A denúncia foi registrada em boletim de ocorrência e o diretor também prestou queixa contra a advogada, alegando calúnia e difamação. Nesta segunda-feira (24) uma carta escrita à mão por um detento da unidade foi enviada ao canal Direto das Ruas, do Campo Grande News,  por uma pessoa que se dizia familiar. A reportagem encontrou poucas ferramentas para verificar a veracidade da carta, se ela realmente pertence a um detento, porém, a mesma foto que mostra a mensagem foi enviada para Girlene. Segundo ela, trata-se de mais uma denúncia que ela também recebeu a partir da primeira. Nesta carta, o preso relata supostos abusos cometidos pela direção do presídio, como castigos generalizados, chantagens e pressão para delações internas. “O diretor está dando castigos generalizados, não respeitando idade avançada ou doenças crônicas. Está chantageando, inclusive tentando dividir o convívio entre nós pra arrancar alguma delação”, escreveu. O detento também afirma que agentes penitenciários estariam insatisfeitos com a atual gestão e pede que a denúncia se torne pública: “Temos agentes aqui que se prontificaram a falar da má conduta e do abuso de poder do diretor. Muitos não estão de acordo com a forma de trabalho dele.” Sobre a denúncia original da advogada, a Agepen já havia se manifestado. Ela disse em nota que diretor tem se dedicado a combater ilícitos e melhorar a rotina disciplinar na unidade. Já sobre o teor da carta, que foi enviada à assessoria pela reportagem, ainda não houve reposta. O presídio também foi à Justiça –  No meio da onda de ações individuais, um fato chama atenção: o próprio Estabelecimento Penal Masculino de Corumbá, em nome do próprio Ricardo Baracat, ingressou com um Pedido de Providências, protocolado em 24 de março de 2025, na 1ª Vara Criminal da cidade. A petição não está disponível na íntegra, mas o juiz do caso já determinou a intimação do Ministério Público Estadual para se manifestar. Presos gravaram situação –  Algumas das provas anexadas ao processo são vídeos e fotos que vieram de onde menos se esperava: de dentro das celas. Em todos os processos,  há vídeos gravados com celulares, nos quais internos aparecem espremidos em celas, alguns dormindo no chão, outros em pé. As gravações mostram rostos e movimentações internas. A reportagem também teve acesso a fotos feitas em uma perícia judicial, que mostram corredores, celas e estruturas internas do presídio. São imagens mais “limpas”, mas que confirmam parte dos relatos feitos nas petições. O sistema em números – A situação de superlotação é crítica em diversas unidades prisionais de Mato Grosso do Sul. Em inspeções realizadas no Instituto Penal de Campo Grande, registradas até janeiro de 2025, foram identificadas celas com ocupação superior a 500% da capacidade. Como resposta, o Estado informou que ampliou 186 vagas na Penitenciária de Dois Irmãos do Buriti e que há previsão de construção de quatro novas unidades — sendo três em Campo Grande e uma no interior, além de 136 vagas no Presídio de Trânsito da capital. No papel, o sistema também tenta avançar com o Plano Estadual de Trabalho Prisional (2024–2026), regulamentado por portaria da Agepen publicada em novembro de 2024. O plano estabelece regras para remuneração, uso de EPIs e jornada regulada. No entanto, a própria Agepen reconhece, no documento, a insuficiência de servidores como obstáculo para tirar as políticas do papel. Em eventos recentes sobre segurança pública, incluindo encontro entre governadores e o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, o governador Eduardo Riedel apontou a sobrecarga no sistema prisional por conta do tráfico. Por sua posição geográfica, Mato Grosso do Sul acaba sendo rota para a entrada de drogas no País.  Outro lado –  O Governo de Mato Grosso do Sul informou em nota que “a Agepen tem investido em tecnologias para reforçar a segurança e impedir a entrada de objetos ilícitos, incluindo scanner corporal, raio-X de bagagens, telamento sobre os pavilhões para coibir arremessos e vistorias de rotina intensificadas” e ainda que desde março de 2024, celas do presídio passam por reforma. Sobre a superlotação, o governo entende que este “é um problema nacional”. “Em Mato Grosso do Sul, ocorre, principalmente, devido ao alto índice de prisões relacionadas ao tráfico de entorpecentes, devido à posição geográfica do estado, que faz fronteira com dois países produtores de drogas (Bolívia e Paraguai) e divisa com cinco estados brasileiros”.  O Estado pretende aumentar a capacidade do sistema penitenciário. “Para enfrentar essa realidade, está programada a construção de 2.769 novas vagas, incluindo ampliações e novos presídios, com algumas obras já em execução”.  “Além disso, a Agepen reforça a importância das ações de ressocialização, que ajudam a reduzir a reincidência criminal e no enfrentamento à superlotação. Mato Grosso do Sul se destaca entre os estados brasileiros com os maiores índices de presos trabalhando, superando a média nacional em mais de 10%, além de estar entre os 10 estados que mais promovem atividades educacionais para detentos”, completa a nota. 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