Com pernas atrofiadas, nem sol ou ladeira param Ademir e seu carrinho

Na subida íngreme da Avenida Salgado Filho, a imagem de domingo é de envergonhar uma sedentária convicta. Com as duas pernas atrofiadas pela paralisia infantil, Ademir enfrenta o sol das 15 horas empurrando um carrinho carregado com papelão, garrafas de vidro e plástico. Ele diz que nunca teve tempo para a “preguiça”, mas não romantiza a dura condição que o acompanha pela vida. “Nunca conheci nada diferente. Vivo assim desde sempre e não dá para ficar sem trabalhar. Eu gosto, a cabeça não fica vazia”, justifica. “Cria” da Vila Carvalho, Ademir não conhece nada longe de Campo Grande. “Meu pai comprou uma casinha na terra vermelha da Carvalho. Não dava nem pra usar roupa clara. Faz muito tempo isso, hoje tá bem diferente”.  Na região que nasceu diz que já fez de tudo um pouco. Vendeu carro, trabalhou limpando peças automotivas, teve várias funções em oficina… “Até que o meu patrão falou que a oficina ia fechar… pediu até desculpa e eu fiquei sem emprego. Então a gente tem de se virar”, lembra. Ademir não é bom em datas. Se confunde sobre a própria idade, mas lembra que nasceu em 1954. Também esquece detalhes da morte do pai, um taxista das “épocas de glória” do Centro de Campo Grande, com ponto na Rua 7 de Setembro. Também não lembra exatamente há quanto tempo trabalha catando papelão.  Repete frases com começo e meio, sem uma conclusão lógica. Tem dificuldade para falar e pé torto, conhecido como pé equino, que normalmente impede pessoas vítimas da poliomielite de andar, pois o calcanhar não encosta no chão. Mesmo assim, ele anda, e como anda. “Ixi, nem sei quanto, mas ando uma quantidade de bairros”, garante. Ademir gosta de conversar sobre os velhos tempos. “Eu já trabalhei na Pedra. Lembra? Vendia carros ali. Mas tinha muita malandragem e eu resolvi sair”, comenta sobre o antigo ponto de comércio de veículos usados, na Avenida Afonso Pena, quase esquina com a Ernesto Geisel. Da família grande, em casa ficou a mãe de “mais ou menos 80 anos”, além da irmã e do cunhado. Nunca se casou, por não ter “paciência” para cuidar de filhos. Mas o tempo exigiu outro tipo de responsabilidade. “Eu cuido da minha mãe, com o dinheirinho que eu ganho. Pra gente tá bom… dá pra comprar um marmitex, umas roupinhas… Quem tem muito sofre. Povo assalta, te rouba, leva seu carro e seu dinheiro. Quem não tem muito não tem o que perder…”, argumenta. O tom de voz manso só muda quando o assunto é a tal da bandidagem. “Já andei armado, mas aí me falaram ‘você é trabalhador’, então larguei mão de arma”. No sol ou no tempo fechado, Ademir roda a cidade bem arrumado, com boné na cabeça, tênis limpinho, short, camiseta e sem reclamar de obstáculos da deficiência, que são muitos, a começar pelos carros estacionados de forma irregular, que viram barreiras perigosas na disputa com caminhões que passam pela avenida acelerando fundo. A arrumação é a mesma do carrinho: papelão bem dobrado de um lado, vidro de outro e garrafas pet postas uma ao lado da outra. Ele pode até ter pecado graves nesta vida, “mas paga na terra”, com suor, diz. A “conta com Deus” começa a ser quitada às 4 horas da manhã e o pagamento segue até o sol cair, parando aqui e ali, nas casas de “colegas”, diz. “Hoje acordei às 4 e às 7 horas já fui trabalhar. Agora vou ali na casa da minha colega. Depois volto. Eu vou devagar, mas chego onde preciso”, garante. Acompanhe o  Lado B  no Instagram @ladobcgoficial , Facebook e  Twitter . Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp  (67) 99669-9563 (chame aqui) . Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para entrar na lista VIP do Campo Grande News .
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