Um ano após chacina de Camaragibe, polícia conclui 3 de 4 inquéritos sobre 9 mortes: ‘Policiais saíram para matar’, diz delegado


Crime aconteceu em setembro de 2023, após dois PMs serem mortos pelo vigilante Alex Barbosa. Ele e cinco parentes foram mortos em menos de 12 horas. No confronto, uma grávida foi baleada morreu um mês depois. Mortos após chacina de Camaragibe, no Grande Recife
Reprodução/Redes sociais
Quase um ano após a chacina de Camaragibe, que resultou numa sequência nove assassinatos no Grande Recife, a Polícia Civil finalizou três dos quatro inquéritos policiais sobre o caso. Atualmente, 12 policiais militares são réus por participação na chacina, e cinco estão presos. Entre as denúncias, estão os crimes de assassinato e tortura.
A sequência de assassinatos aconteceu em setembro de 2023, depois que dois policiais foram mortos pelo vigilante Alex da Silva Barbosa num confronto no bairro de Tabatinga. Por vingança, PMs executaram cinco parentes do atirador. Em seguida, ele foi morto. No confronto inicial, uma jovem grávida foi baleada, foi socorrida e, mais de um mês depois, morreu.
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De acordo com o delegado Ivaldo Pereira, gestor da Diretoria Integrada Metropolitana da Polícia Civil, os PMs que mataram seis pessoas agiram de forma desproporcional e planejaram as mortes.
“São cinco policiais que saíram para matar, enquanto outros estavam ali para fazer a coisa correta e prender o Alex. A gente comprovou que eles se planejaram organizaram para cometer os homicídios, desde veículos, vestimentas”, disse.
Quatro inquéritos foram originados do crime, relacionados aos seguintes eventos:
Três mortes ligadas ao primeiro confronto com Alex, em que foram baleados os policiais Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos, e Rodolfo José da Silva, de 38 anos, além da jovem Ana Letícia, de 19 anos, que foi usada por Alex como escudo humano e morreu mais de um mês depois;
Mortes dos irmãos de Alex: Ágata Ayanne da Silva, de 30 anos, Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25 anos, cujos assassinatos foram transmitidos ao vivo;
Mortes da mãe e esposa do atirador, Maria José Pereira da Silva, e Maria Nathalia Campelo do Nascimento, respectivamente. Elas foram assassinadas num canavial em Paudalho, na Zona da Mata;
Morte do próprio Alex da Silva Barbosa, assassinado em confronto com policiais numa emboscada numa área de mata.
O único inquérito que ainda não foi concluído foi o da morte da mãe e da esposa de Alex.
“Todos [policiais] sumiram com os celulares, um deles também extraviou a arma de fogo. Fizeram de tudo para atrapalhar a investigação, e temos provas cabais disso. No depoimento, preferiram o silêncio, então, não há dúvidas de que são os executores”, afirmou o delegado Ivaldo Pereira.
O delegado responsável pelo caso também disse que Alex foi apontado como responsável pela morte dos PMs Eduardo Roque e Rodolfo José, mas ainda faltavam indícios de que ele tivesse matado Ana Letícia, a jovem grávida. Entretanto, após perícias e reconstruções balísticas e da cena do crime, a responsabilidade dele na morte foi reconhecida.
“A única testemunha que viu [o tiroteio inicial] foi a mãe de Ana Letícia. Na perícia, foi comprovado que o orifício de entrada do disparo foi a parte posterior da cabeça, ou seja, na parte de trás do crânio, e saiu pelo olho, de cima para baixo”, constatou.
Letícia, apesar de ter sido internada, não resistiu ao ferimento e morreu. Em coma, ela deu à luz uma menina.
Policiais planejaram mortes
O delegado conta que, na mesma noite em que Alex matou os dois PMs e atirou em Ana Letícia, os policiais partiram em uma busca pelo atirador, que tinha fugido do local. Para tentar encontrar o criminoso, os agentes torturaram a esposa de um dos irmãos dele, que estava em um veículo de transporte por aplicativo com duas filhas, de 10 e 11 anos. O nome dela não foi divulgado.
Ainda de acordo com a denúncia, dois PMs permaneceram com o motorista de aplicativo e torturaram o homem física e psicologicamente, com a ajuda de outros agentes, provavelmente também policiais, que chegaram ao local em motos. O homem foi espancado para que informasse o paradeiro de Alex.
“Nós verificamos que a viúva de uma das vítimas foi torturada e, com essa tortura, os três irmãos foram atraídos e emboscados por cinco policiais militares”, disse.
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Operação prende suspeitos de envolvimento no crime
Após serem atraídos pelos PMs, Ágata Ayanne da Silva, de 30 anos, Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25 anos, foram mortos. O crime foi transmitido ao vivo no Instagram por Ágata, que tinha denunciado que a casa da família foi invadida e que a mãe tinha desaparecido. Nas imagens, é possível ver que havia homens encapuzados no local (veja vídeo abaixo).
Três irmãos são mortos e mulher transmite execução em live
No dia seguinte, foram encontrados os corpos da mãe e da esposa de Alex. “Este [inquérito] ainda está em fase de conclusão, por perícias finais. Há uma certa união entre o triplo [dos irmãos] e o duplo homicídio. Embora não tenham sido os mesmos autores, houve uma organização em relação aos dois crimes”, disse o delegado.
Com relação à morte de Alex, o delegado Ivaldo Pereira conta que o inquérito também foi concluído e, nas investigações, foi verificado que os policiais agiram em legítima defesa. Isso porque Alex atirou contra três outros agentes, que não sofreram machucados pois foram atingidos no colete à prova de balas.
“Foi um crime perpetuado de forma cruel pelo Alex, mas também não concordamos com a forma que foi conduzido os assassinatos dos familiares. Até porque as investigações mostraram que eles não possuíam uma boa relação com Alex, não concordavam com o fato de ele ter arma. As ações dos policiais foram descabidas, totalmente fora dos conceitos de proporcionalidade. A gente tem formação na academia para não cometer tortura, esse tempo já passou”, afirmou o delegado.
Quem são os réus
Desde março deste ano, cinco dos doze policiais investigados estão presos preventivamente, depois de o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) ter aceitado denúncia contra os agentes por homicídio. Eles são apontados como responsáveis pela emboscada que matou os irmãos de Alex. São eles:
Paulo Henrique Ferreira Dias;
Dorival Alves Cabral Filho;
Leilane Barbosa Albuquerque;
Fábio Júnior de Oliveira Borba;
Emanuel de Souza Rocha Júnior.
Os outros sete réus seguem em liberdade, cumprindo medidas cautelares, afastados das funções na Polícia Militar e proibidos de entrar em contato com as testemunhas do processo. O delegado não informou qual a participação deles nos crimes:
Marcos Túlio Gonçalves Martins Pacheco;
João Thiago Aureliano Pedrosa Soares;
Fábio Roberto Rufino da Silva;
Diego Galdino Gomes;
Janecleia Izabel Barbosa da Silva;
Eduardo de Araújo Silva;
Cesar Augusto da Silva Roseno.
O g1 tenta contato com as defesas dos acusados.
Relembre a cronologia do caso
14 de setembro:
Por volta das 21h, os PMs Eduardo Roque Barbosa de Santana, de 33 anos, e o cabo Rodolfo José da Silva, de 38 anos, foram ao bairro de Tabatinga verificar denúncia de que um homem estava em cima de uma laje “dando tiros para cima em uma comemoração”;
Esse homem foi identificado como Alex da Silva Barbosa, de 33 anos. Segundo vizinhos, ele estava treinando tiros numa mata perto do local;
Alex não tinha antecedentes criminais e tinha uma arma de mira a laser que era registrada;
Quando a polícia chegou ao local para averiguar a denúncia, Alex entrou na casa vizinha para fugir da abordagem policial;
Ao ver os policiais se aproximando, houve uma troca de tiros entre Alex e os policiais. Dois PMs foram baleados na cabeça e Alex fugiu;
No tiroteio, também ficou ferida Ana Letícia, que estava dentro da casa invadida por Alex. A jovem de 19 anos estava grávida de sete meses e perdeu parte da visão do olho esquerdo e massa encefálica;
Antes da troca de tiros, Ana Letícia estava dando banho no filho mais velho, de 3 anos. Segundo um dos advogados da família, Alex fez Ana Letícia de escudo humano;
Um primo de Ana Letícia, de 14 anos, ajudava a colocar a jovem no carro da família para levá-la ao hospital quando mais policiais chegaram ao local. O adolescente disse ter sido agredido pelas costas, derrubado e baleado na nuca por esses policiais;
O irmão de Ana Letícia, Carlos Augusto, contou que foi torturado por policiais depois que a irmã foi baleada. A família também disse que o carro em que estava levando a jovem a uma unidade de saúde foi alvejado pela polícia.
15 de setembro:
Por volta das 2h, também em Tabatinga, três irmãos de Alex foram baleados por homens encapuzados: Ágata Ayanne da Silva, de 30 anos; Amerson Juliano da Silva e Apuynã Lucas da Silva, ambos de 25 anos;
O crime foi transmitido ao vivo no Instagram: Ágata e Amerson morreram no local; Apuynã foi levado ao Hospital da Restauração, no Recife, mas não resistiu aos ferimentos;
Algumas horas antes, Ágata comentou no Instagram que a mãe tinha sido sequestrada e que a casa dela tinha sido invadida por mais de 10 homens;
Por volta das 9h, os corpos da mãe de Alex, Maria José Pereira da Silva, e de Maria Nathalia Campelo do Nascimento, 27 anos, esposa dele, foram encontrados num canavial em Paudalho, na Zona da Mata Norte;
Por volta das 11h, durante buscas da Polícia Militar, Alex foi localizado em Tabatinga, trocou tiros com o efetivo e foi morto;
Outubro
Em 2 de outubro, Ana Letícia, que estava grávida de sete meses quando foi atingida pelos disparos, deu à luz uma menina ainda em coma;
Em 21 de outubro, Ana Letícia morreu após sofrer um quadro de choque séptico.
*Estagiária sob supervisão do editor Pedro Alves.
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